Equinococose

Figura 1 - Adulto de Echinococcus.  
Fonte: parasitipedia.net.
Formas adultas de tenídeos do gênero Echinococcus podem causar uma infecção em canídeos conhecida com equinococose. Esses tenídeos possuem pequenas dimensões e a principal espécie é Echinococcus granulosus, cuja larva denominada de hidatidose parasita o homem e animais domésticos. Essa zoonose acarreta danos à saúde pública e perdas econômicas em diversas regiões do mundo, principalmente em zonas de pecuária.
O que se percebe é que há uma possível relação entre a frequência do cisto hidático com a prevalência da equinococose nos cães de certa região. O Echinococus granulosus vem sendo encontrado em uma diversa gama de animais carnívoros silvestres na América do Sul, onde a prevalência é maior que nas ouras partes do mundo e ocasiona graves prejuízos econômicos. No Brasil, o estado que apresenta as maiores taxas de infecções hidáticas é o Rio Grande do Sul (Figura 2), no qual já foram descritos 470 casos de hidatidose cística no período entre os anos 1973 e 1984.
Figura 2 - Prevalência da equinococose cística humana em alguns municípios
de áreas endêmicas do estado do Rio Grande do Sul. Adaptado de RUE (2008).
Esta parasitose tem maior ocorrência nas regiões que apresentam grandiosa densidade em áreas de criação de gado. No Rio Grande do Sul, as áreas consideradas mais endêmicas são aquelas formadas pelos municípios que fazem fronteira com o Uruguai e seus adjacentes. Utilizando as técnicas disponíveis em Biologia Molecular, se detectou a existência de variedades intraespecíficas, ou seja, linhagens ou cepas, em E granulosus nesse estado. 
A hidatidose é uma parasitose considerada rural, porém, a sua ocorrência vem aumentando nas áreas urbanas, em função da migração de cães infectados por E. granulosus provenientes de áreas endêmicas. Nas áreas com alta densidade demográfica, a possibilidade de um cão com equinococose infectar o homem com o cisto hidático é maior. O êxodo rural trouxe o risco da hidatidose, que passou a ser considerada uma zoonose urbana também. Com isso, é possível perceber que algumas zoonoses que antes eram consideradas historicamente rurais, podem começar a apresentar ocorrência elevadas nas cidades.
Apenas alguns poucos países, exemplificados por Islândia e Irlanda, estão livres da linhagem de E. granulosus. A hidatidose tem grande distribuição nas áreas rurais da Bacia Mediterrânea, que abrange os países do sul europeu (Itália, Espanha, Portugal). Além disso, está presente nos seguintes locais: Egito, Líbia, Tunis, Argélia, Marrocos, Bulgária, Romênia, Polônia, Rússia, África, Uruguai, Argentina, Brasil, Chile, Bolívia, Peru, Ásia, Austrália, etc. A hidatidose humana é mais comum pela espécie E. granulosus do que por outras espécies existentes Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru, Uruguai, Venezuela e na região Sul do Brasil.
A caracterização genética e molecular de E. granulosus tem um papel fundamental no que diz respeito à compreensão mais eficiente da epidemiologia da doença, bem como no controle e na prevenção desta parasitose. Até hoje, não se teve nenhum registro de um paciente parasitado com mais de um genótipo do parasito.
Figura 3 - Imagem de microscópica de parasita adulto 
Echinococcus. Fonte: www.cdc.gov.
O Echinococcus (Figura 3) apresenta algumas particularidades que o permite diferenciar do outro gênero da mesma família, o gênero Taenia, nomeadamente o facto do parasita adulto ser pequeno, medindo apenas alguns milímetros (dois a nove mm) apresentando um estróbilo com no máximo sete segmentos. 
O escólex tem quatro ventosas e uma dupla fileira de 28 a 50 ganchos, tradicionalmente seguida de um pescoço, um proglótide em desenvolvimento, um maturo e um gravídico. O último segmento tem geralmente mais de metade do comprimento do cestode. O ovo tem uma forma ovoide e mede 32-36 µm x 25-30 µm. É constituído pelo embrião hexacanto ou oncosfera, que se encontra envolvido pelo embrióforo que tem estriamento radial. A oncosfera tem três pares de ganchos que servem para perfurar a parede intestinal, chegando depois via sanguínea ou linfática ao órgão onde se irá desenvolver o quisto hidático. O ovo de Echinococcus, morfologicamente, não se distingue do de outros parasitas do gênero Taenia (Figura 4).
Figura 4 - Imagem de microscópica de 
ovo de Taeniide. 
Os cistos de Echinococcus granulosus desenvolvem-se nos órgãos dos hospedeiros intermediários como vesículas uniloculares em forma de “bexiga”, cheias de líquido. Os quistos hidáticos são constituídos por duas membranas de origem parasitária e uma produzida pelo hospedeiro (do interior para o exterior): membrana germinativa, é nucleada e a partir da qual são geradas por reprodução assexuada as vesículas filhas e os protoescólices; membrana laminada ou cutícula, é acelular, forma-se duas a quatro semanas após a infecção do hospedeiro intermediário e terá como função principal a proteção; membrana adventícia, que é uma cápsula fibrosa produzida pelo hospedeiro.
 Para completar seu ciclo biológico (Figura 5), helmintos pertencentes ao gênero Echinococcus necessitam de dois hospedeiros: o hospedeiro definitivo é representado sempre por um carnívoro (cão doméstico, raposa, lobo, dentre outros), enquanto o hospedeiro intermediário, abrange um grupo maior de mamíferos, que inclui desde herbívoros (ovinos, bovinos, suínos, caprinos, dentre outros) até o homem. Entretanto, é importante citar que dentre os hospedeiros intermediários, ovinos constituem a espécie animal mais susceptível.
Figura 5 - Ciclo de vida de Echinococcus spp. Fonte: Division of Parasitic 
Diseases-CDC (www.cdc.gov/page.do.)
O parasito adulto localiza-se junto à mucosa do intestino delgado de cães e demais hospedeiros definitivos, onde os ovos produzidos são eliminados através das fezes, contaminando o solo, pastagens e água. O fato dos ovos, em condições favoráveis de temperatura e umidade, permanecerem viáveis no ambiente por vários meses, facilita a infecção dos hospedeiros intermediários. Nos herbívoros, a infecção ocorre através da ingestão de água e pastagens contaminadas com ovos, enquanto que nos humanos, está se dá, além da ingestão de água e alimentos contaminados, por hábitos mínimos de higiene por parte daqueles que convivem com cães.
Os ovos eclodem no estômago e/ou intestino delgado dos hospedeiros intermediários, liberando o embrião, que através de seus acúleos (ganchos), penetram na mucosa intestinal ganhando a corrente sanguínea, e desta, atingindo o fígado, coração, pulmões, rins, dentre outros órgãos. Nos tecidos, o embrião inicia seu desenvolvimento por intensa multiplicação e diferenciação celular, dando origem à forma larval do Echinococcus spp., denominada de hidátide ou cisto hidático. A hidátide consiste em uma “bolsa” cheia de líquido, cujo crescimento é lento, e pode atingir proporções variáveis de acordo com o tecido onde está instalada.
A ingestão das vísceras do hospedeiro intermediário contendo a hidátide pelo hospedeiro definitivo (cães e canídeos selvagens), levará a infecção deste. No intestino dos carnívoros, a larva se fixa à mucosa do órgão, concluindo seu desenvolvimento e iniciando outro ciclo evolutivo, com a eliminação de órgãos pelas fezes em aproximadamente 45 dias.
Os sintomas podem levar anos para aparecerem, pois, a evolução dos cistos ocorre lentamente. A patogenia da hidatidose humana varia de acordo com o órgão atingido, tamanho e número de cistos. No fígado e nos pulmões a doença pode se apresentar de forma assintomática, caso haja apenas um único cisto, que não se rompa e nem atinja grandes dimensões. No entanto, quando a doença atinge o cérebro, torna-se grave, caso não seja diagnosticada e tratada rapidamente. Por ocorrer em vários órgãos, a hidatidose sua patogenia e sintoma pode variar de acordo com as funções vitais do órgão atingido. O fígado geralmente é órgão primário da infecção (hidatidose hepática), e o pulmão é o segundo órgão mais atingido (hidatidose pulmonar).
O quadro clínico da hidatidose humana costuma ser assintomático e não é específico. Para que se obtenha um diagnóstico preciso, é necessário que se leve em conta informações clínicas, laboratoriais e epidemiológicas. As manifestações clínicas, quando presentes, ocorrerão pela alta taxa de crescimento do cisto, causando a compressão e aderência do órgão parasitado. Em alguns casos, os cistos podem ser detectados nos exames físicos, ocorrendo a formação de massas palpáveis, que se assemelham a tumores. Nas avaliações laboratoriais são utilizadas técnicas como hemaglutinação, imunofluorescência e ELISA. Essas avaliações devem estar presentes tanto no diagnóstico primário, quanto no acompanhamento após o tratamento cirúrgico elou medicamentoso.
Recomenda-se o uso de duas técnicas antes da confirmação do diagnóstico, pois há possibilidade de ocorrer reações cruzadas. Exames de imagem como, a radiografia, ecografia, ultrassonografia, cintilografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética, são utilizados para auxiliar no diagnóstico. O diagnóstico em animais (equinococose canina), deve ser realizado por meio do exame morfológico do parasito adulto e pela técnica ELISA de captura, que atualmente tem apresentado excelentes resultados em estudos da prevalência da equinococose. Nos hospedeiros intermediários (bovinos, ovinos, suínos) o diagnóstico é realizado pela presença de cistos ao exame post-mortem, no momento do abate destes animais. Estes dados, juntamente com os de equinococose canina, são utilizados em áreas endêmicas para acompanhar a situação de risco da população humana a hidatidose.
Como exemplo de controle e erradicação iremos usar a terra clássica da hidatidose que foi a Islândia onde 25% das pessoas autopsiadas eram positivas e 28% dos cães estavam infectados com E. granulosus, porem em 1864 foi iniciado um programa de controle e a prevalência caiu para 16% e consequentemente 0% depois de 1960.
O conselho de saúde assegurou o controle mediante a realização de inquéritos periódicos, limitação da população canina, a destruição das vísceras parasitadas, um grande trabalho de educação sanitária, proibição de vendas de carnes de rês não abatida em matadouros, e interdição do acesso dos animais aos lugares de abate. Além da erradicação da endemia na Islândia o controle foi muito eficaz em Nova Zelândia e a Tasmânia.
Para esgotar a fonte de ovos de Echinococcus dos cães infectados a partir das vísceras de reses doentes, bastaria impedir que estes cães se alimentassem de carne ou vísceras cruas tendo em vista que os helmintos não duram mais que alguns meses na fase estrobilar. No entanto há vários obstáculos que se opõe a essa erradicação como a decisão política e de estruturas sanitárias e a estratégia de controle da infecção canina requer a interdição do abate clandestino, melhoria dos matadouros, controle sanitário de gado abatido, tratamento anti-helmíntico dos cães parasitados e redução da população canina infectada.
Em Chipre utilizaram fuzis que atiram seringas com material capaz de promover uma morte indolor desses cães e a castração das cadelas, resultando no controle da endemia entre os animais, no entanto o Rio Grande do Sul constatou uma tendência para maior parasitismo entre os bovinos em relação aos ovinos.
Uma forma de prevenir a infecção humana é em complemento as medidas acima, pode-se obter a colaboração dos adultos para o tratamento dos cães incluindo o cozimento das vísceras antes de oferecer aos cães, e principalmente obter uma cautela maior com as crianças devido a sua intimidade perigosa com os animais suspeitos.

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